Brincadeira no telhado
Moro no 2° andar em um prédio antigo da Backay Street. Aqui de cima, todas as noites miro um casal de ratos no telhado da vizinha de frente, ela é uma pianista solitária, nunca quis um companheiro fixo para evitar desilusões, ela detesta os acordes fúnebres, seus preferidos são os que lembram suspense, perigo, tensão... Às vezes, ela acorda melancólica, com jeito de quem procura desesperadamente um colo para amortecer suas lágrimas. À noite, é de praxe dois ratos circularem pelo telhado... O macho, como numa brincadeira, corre atrás da fêmea... a fêmea foge... isso deixa a vontade do macho cada vez mais desenfreada... ele calcula cada rastro e consegue tocar seu focinho lá, bem no lugar que mais atiça seus sentidos... a fêmea esperta pára um pouco... e corre de novo, só pra deixá-lo trantornado... ele fica meio tonto, vibrando com o seu corpo arredondado, nessa hora parece que incha e fica um tanto sem fôlego, mas ele sabe, ali está só começando a noite de brincadeira sem fim. A lua colabora com aquilo tudo, tão cheio de significado. Choveu a tarde inteira. O clima está perfeito. De longe, a rata olha de escanteio, dá uma rabanada e foge outra vez. O rato tem consciência que ela sabe direitinho o que está fazendo com ele. Ele fica completamente remexido, ganha fôlego e volta à disputa. Ele aceita o jogo, mas por instantes seus instintos o fazem desejar acabar com aquilo tudo de vez e deixar a fêmea bem no lugar dela, ali, paradinha, bem ao lado dele, pra sempre. Mas ele também sabe o quanto é bom levar aquela vida como o som de um piano, lento, pausado, suave, doce, devagarzinho... avançando pouco a pouco.