domingo, 9 de março de 2008

Bilhetes em jejum

B1

Bên’eê..., você tem inveja da minha barriga, não tem? Então, vem me achar, vem! Quando você me achar, se é que vai me achar, eu vou lhe mostrar uma coisa. Eu tenho mesmo que lhe mostrar uma coisa. Há dias quero lhe mostrar essa coisa. E você nem pode opinar. Quero que você toque, sinta. Olhe e cheire. Se você quiser, pode pintar também.

B2

Meu amor, que tal coisa é essa? Não consigo lhe achar, onde você se meteu? Tô ficando nervoso. E você sabe como eu fico quando eu fico nervoso... Anda logo, vai... Que tal coisa é essa?

Ah, amor, eu tô com sono também. Eu só quero abraçar você. Eu já sei... você quer me enlouquecer, não é mesmo? Tá bem, tá bem, você já está me enlouquecendo... Admito! Agora é só você aparecer. Reaparece, vai!

B3

Bên’eê..., você sabe que eu não vou reaparecer. Não vou, e pronto. Eu só tenho que lhe mostrar uma coisa, é só isso. Você não precisa mais de mim. Aliás, você precisa de mim, sim. Ah, mas o que isso importa agora, a essa hora da madrugada? A verdade é que EU não quero mais precisar de você. Não quero, e pronto. Sei que você deve estar louco a essa hora. Louco de tudo. Tá doido pra me mostrar tudo. Doido pra deixar a cortina da sala aberta. Eu sei que você não se importa com os vizinhos. Você não se importa com nada. Você nunca me dá tempo de fechar a cortina. Sei que é de propósito. Só pra me por no meu lugar. No fundo, quer que eu pense que só você pode me fazer feliz. Mas não aceito mais chantagens. É só com você que eu posso ser feliz? Então eu não quero mais ser feliz. Prefiro a lertagia, o vão, a escuridão. Prefiro sentir medo do trovão. E que trovões chatos! Ontem um deles matou uma vizinha. Ela morava na rua 15. Eu não senti nada, porque eu não sinto mais nada. E o meu olhar, o meu sorriso, o meu cabelo não são mais os mesmos. E minhas lágrimas? A última foi aquela que você enxugou. Você lembra? É claro que lembra, foi naquele dia que você se saciou. Você estava perfeito naquele dia, mas eu não quero falar disso porque eu nem lembro direito de nada. Não quero lembrar de mais nada.

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